domingo, 18 de setembro de 2016

Amor é amor

Sara Herranz
Até hoje nunca soube ao certo se amei como se ama nos livros ou nos filmes de romance. Mas uma coisa eu aprendi: amor é amor, aqui ou na China. 
Teve o cara que eu nunca conversei de verdade e também nunca esqueci. Ele até mora aqui mas não nasceu. Eu nem sei como descobri ele, mas na minha cabeça a gente teria sido um casal feliz, daquele de foto do tumblr que vive a vida de boa e é isso aí. Não sei como é a voz dele. Encontrei ele na rua umas cinco vezes e nunca tive coragem o bastante pra ir dar um alô. Já vi ele namorar, terminar, namorar de novo e tudo que eu faço é favoritar alguma coisa que ele fala de vez em quando.
Depois teve o meu amor de faculdade. Eu me apaixonei por um cara que tava tocando Beirut no ukulele enquanto todo mundo matava aula no hall da faed. Lembrei dele agora, enquanto essa insonia não passa. Quando eu pensei "com esse vai" ele teve que voltar pro Rio Grande do Sul e tudo que a gente teve foram "ois" pelos corredores, esbarrões propositais e sorrisinhos envergonhados. Ele tinha olhos quase verdes, tão intensos que quando a gente se demorava a observar parecia que ia ser engolido por aquela calmaria. 
Depois deles, foram amores de uma ou duas semanas. Ou porque eu cansava antes mesmo de tentar ou porque no meio do caminho havia uma pedra e a gente se perdia. Teve o desenhista, o cara do rap, o amigo infiel, o skatista, o fantasiado, o marrento. Eu lembro os nomes mas gosto mesmo é de recordar pelas características. Todos tão iguais e ao mesmo tempo tão diferentes. Nesse meio tempo tiveram os amores de mil olhares e nenhuma palavra. Os amores fantasiados de conhecidos na rotina e os amores disfarçados de amigos. 
O grande problema de todos eles foi eu conhecer antes de deixar que eles se apresentassem. Por algumas horas ou dias, eu já tinha decifrado como eram e o que faziam antes até que eles mesmo pudessem pensar em como me tratariam. E então eu desistia por achar que não tinha mais nada de novo pra acrescentar. Falando desse jeito, parece superficial, mas é que eu nunca fui das mais pacientes e a curiosidade matou mesmo o gato. No caso, todos os gatos. 
Tiveram outros amores. Alguns que duraram muito e outros que sequer chegaram a durar alguma coisa. Eu lembro especificamente de alguns porque amei muito. E, para cada um de nós, o amor tem um significado diferente. Eu enxergo no amor um gostar, admirar e querer bem. E o amor não tem tempo, ele pode mesmo durar alguns dias ou uma vida inteira. Ele pode ser carregado de palavras ou carregado de olhares. O que importa é o que a gente sente e como a gente se sente. E em todos, absolutamente, eu amei. Até os que nunca souberam que eu existo, porque no fim das contas ele me ensinaram uma coisa: eu preciso me amar primeiro, e no tempo certo, o amor que tem vai rebater em alguém que vai voltar.


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"O amor é uma das doenças mais bravas e contagiosas. Qualquer um reconhece os dentes dessa doença. Fundas olheiras delatam que jamais dormimos, despertos noite após noite pelos abraços, ou pela ausência de abraços, e padecemos febres devastadoras e sentimos uma irresistível necessidade de dizer estupidezes. O amor pode ser provocado quando cair um punhadinho de pó-de-me-ame, como por descuido, no café ou na sopa ou na bebida. Pode ser provocado, mas não pode impedir. Não o impede nem a água benta, nem o pó de hóstia; tampouco o dente de alho, que nesse caso não serve para nada. O amor é surdo frente ao Verbo divino e ao esconjuro das bruxas. Não há decreto de governo que possa com ele, nem porção capaz de evitá-lo, embora as vivandeiras apregoem, nos mercados, infalíveis beberagens com garantia e tudo".
Eduardo Galeano

domingo, 4 de setembro de 2016

É que o meu lugar não é aqui


Vesti qualquer roupa e saí para mais um dia de trabalho. Peguei o ônibus de sempre e pela janela olhava além daquela vista. Olhava as pessoas, os prédios, os carros em alta velocidade e pensava o quanto tudo em volta nada a tinha a ver comigo. Sentada na minha mesa, eu olhava as janelas e pensava que onde estava era o último lugar que gostaria de estar. 
Você já se sentiu absolutamente deslocado a ponto de só a sua respiração e o som da sua voz fazerem sentido? Tem dias que só isso faz sentido pra mim. E a única solução parece ser ir embora. Desse lugar, dessas ruas, dessa cidade, desse trabalho, dessa universidade. Tem dias que milhões de questionamentos martelam minha cabeça mais que o normal. O que eu estou fazendo aqui? O que estou querendo com isso? O que, afinal, eu quero ser? Isso que eu sou? O que eu quero fazer? Aonde que eu quero ir? Que lugar eu realmente pertenço?
Eu só quero me descobrir e descobrir o mundo. E parece que nessa descoberta eu só consigo eliminar o que não sou. E só consigo eliminar o que não me encaixo. O meu lugar não é onde o exibicionismo reina, o fútil impera e o comodismo é o carro chefe da casa. 
Talvez seja o dia, o humor, os acontecimentos, o valor do dólar ou apenas ter acordado durante o ciclo do sono. Talvez seja apenas um grande carga de trabalho e fácil irritação que surge quando vejo gente com preguiça. Eu tenho preguiça de gente com preguiça. Eu gosto de gente que pensa e vai atrás. Gente que não tem medo de ver no que uma ideia vai dar. Eu gosto de gente que vive a vida. De gente que pula da piscina, que fala uma verdade no impulso e que não tem medo de demonstrar sentimentos. Eu gosto de gente que se liberta sem medo de perder. 
Há dias que parece que o papo de ninguém é legal. Há dias que me irrito com o jeito que as pessoas opinam sobre determinados assuntos. Há dias que eu vejo as pessoas falando, falando, falando. E eu não entendo nada. Há dias em que até o clima me incomoda. Há dias em que a música do meu fone não combina com o que eu vejo enquanto caminho. E, não me leve a mal, isso realmente não tem a ver com estar aqui, tem a ver comigo. O "problema", realmente, sou eu. 
Eu só quero descobrir - sem saber como se faz - o que realmente sou. Eu só quero descobrir de onde eu faço parte, como se eu fosse um elemento da tabela periódica. Os gases nobres não se reconhecem nos alcalinos, tampouco os alcalinos nos halogênios. E o elemento errado na família errada não faz sentido assim como não vejo sentido em certos dias. Se existisse, eu faria parte da família dos deslocados porque, tem dias que imagino não ser nada além disso: deslocada. Em volta, parece que nenhuma peça desse quebra-cabeças do mundo se encaixa comigo.