terça-feira, 21 de junho de 2016

Das pessoas que deixam um pouco de si e levam um pouco de nós

Eu tinha de 12 pra 13 anos quando conheci a Dona Maria. Ela era avó de um garoto que ia participar do cortejo da Festa do Divino, e naquele ano eu seria a Imperatriz. Quem conhece a festa sabe que ela é cheia de tradições. Quem não conhece, eu explico um pouquinho: primeiro, durante todo ano, os pais, familiares e cristãos saem andando com a bandeira do Espírito Santo pela cidade, visitando as casas dos fiéis. Depois existem os ensaios com as as crianças e quem participa, as visitas as lojas para encontrar as roupas e mais um tanto de outras tarefas. Eu conheci a Dona Maria em uma dessas andanças, quando saímos com o Santo na cidade que ela mora - vizinha a que acontece a festa. Ela é uma senhorinha fofa de cabelos brancos com carinha de vó, mas nada frágil. Seu marido já tinha morrido na época e mesmo assim ela não tinha perdido a vontade de estar viva. A Dona Maria virou minha amiga. Nos demos tão bem que ela nem parecia ter 60 anos a mais que eu. Ela falava palavrão e era uma ótima contadora de histórias. Passava as tardes de final de semana de andança me contando como eram os rolês daquela época. A Dona Maria me ensinou que não existe idade pra nada - principalmente pra amizade. Ela tinha mais disposição pra andar que eu, e ela até me levou pra almoçar na casa dela em um dia daquela época. 
Hoje eu encontrei a Dona Maria no ponto de ônibus, bem por acaso. A nora dela me conheceu, mas a Dona Maria acho que nem me viu. Ela não parece ter envelhecido um ano sequer desde que eu a conheci. Ela continua usando os óculos de grau quadradinhos, como anos atrás. Tive medo de conversar com ela e saber que ela nem lembra de mim. Mas eu, com certeza, jamais esquecerei dela. A dona Maria é o melhor exemplo de pessoa que eu tenho dessas que passa pela nossa vida só pra ensinar umas coisinhas. Ela foi a avó que eu escolhi e que depois de um tempo nunca mais vi. Até porque a vida segue e os caminhos das pessoas sempre se desencontram. Mas a dona Maria, mais do que tudo, me ensinou o respeito pelos mais velho e dividiu toda a sabedoria de anos de experiência. 
Agora, indo pro trabalho nesse dia chuvoso, minhas mãos estão geladas, meu pés congelados dentro da bota e a jaqueta molhada, mas o meu coração está muito quentinho. Um quentinho gostoso e reconfortante. A dona Maria foi pra casa dela também. Agora, provavelmente, está fazendo o almoço na sua cozinha que fica fora da casa. A dona Maria sequer imagina que eu a vi e que agora escrevo esse texto falando dela e o quanto ela me ensinou. Mas eu sempre lembrarei: das histórias, das risadas e do que a dona Maria me ensinou sobre a vida. 

terça-feira, 14 de junho de 2016

Saudade do que não fomos


Essa noite senti falta dos seus pés enroscados nos meus, ainda que nunca tenhamos dividido uma cama. Senti falta de beber o chá que eu gosto, você esquentando a água e trazendo pro meu quarto, ainda que você não saiba em que rua da cidade fica a minha casa. Essa noite senti sua falta, mesmo que somando todo o tempo que estivemos juntos não chegue em 24 horas. 
Essa noite senti sua falta. Senti falta do que não somos. Senti falta do que queria que fossemos. Senti falta de imaginar seu sorriso em um momento aleatório do meu dia tedioso.
Essa noite senti falta das conversas durante a madrugada que nunca tivemos. Senti falta de você me oferecendo um halls do seu pacote pela metade. Senti falta do seu olhar sereno enquanto conversam sobre um assunto desinteressante. 
Essa noite senti falta das discussões sobre os filmes policiais que nunca assistiremos - juntos. Senti saudade de imaginar as roupas bonitas daquela loja do shopping em você, porque fazem muito o seu estilo. Senti saudade do jeito terno que você olha o dia amanhecendo. Senti saudade das dúvidas que carrega sobre a vida num olhar tão escuro quanto o céu de inverno.
Essa noite senti falta do jeito que você respira calmo enquanto dorme, mesmo que eu nem saiba como você dorme. Senti falta do seu sorriso sincero e dos seus lábios carnudos no meu pescoço.
Essa noite senti saudade das nossas mãos dadas e de como nossos dedos se encaixaram. Senti saudade de ouvir as músicas daquela banda que ambos curtimos, mas que não consegui mais ouvir desde que esse furacão que você é passou pela minha vida. E você nem é tão destruidor assim. É calmo, tranquilo, amável. Mas passou pela minha vida desse jeito, como um furacão: devastador para uma cidade pequena, que apesar de um pouco vazia, carrega tantas inseguranças quanto o vento que bate na janela nessa madrugada de vento sul.

"As histórias não precisam ser longas para serem de amor"

sexta-feira, 3 de junho de 2016

Quem pensa demais não pula na piscina


Quem pensa demais não aproveita o melhor da vida. Não se entrega sabendo o que esperar do outro. Não toma aquele chá diferente. Quem pensa demais perde chance de conhecer gente incrível, dar risada de coisas idiotas, respirar fundo diante de um jardim de cheiros variados. 
Quem pensa demais não pula na piscina e deixa de saber como é o impacto do corpo na água gelada. Deixa de sentir o susto da sensação diferente. Deixa de passar um pouco de frio e sair correndo pra se esquentar - mas quem liga pra isso? 
Quem pensa demais não pula na piscina, de parapente, nos braços de alguém quando tem uma calçada alta. Quem pensa demais perde aquela sensação de não saber o que vai acontecer. E não saber o final é mais gostoso que andar suspirando sabendo como termina - e se termina. 
Quem pensa demais não pula da piscina e não se entrega tanto. Talvez se entregar demais seja até doloroso, mas não se entregar tanto é poder perder coisas que a gente só sabe se tenta. Quem pensa demais nem tenta. Quem pensa demais até ganha, mas perde mais do que ganha. 
Quem pensa demais não pula na piscina nem em outras superfícies. Não rala o joelho tentando andar de skate, porque acaba desistindo. Não fica no outro dia tentando lembrar de tudo, porque achou que beber demais seria ruim. Vez ou outra a gente precisa, sabe?! Vez ou outra a gente precisa ficar ruim pra lembrar que ficar bom é maravilhoso. Vez outra a gente precisa ficar com aquela gripe dos diabos pra aprender a não esquecer o casaco em casa. Vez ou outra a gente precisa chorar e aprender que as decisões ruins também ensinam. Talvez mais do que as boas decisões. 
Quem pensa demais não pula na piscina, não conversa com desconhecidos por medo de fazerem mal. Quem pensa demais dá menos abraços, menos beijos. Quem pensa demais vive histórias não tão legais pra contar para os netos. Quem pensa demais anda nos trilhos. Mas a gente sabe que ser um trem desgovernado é muito mais libertador. 
Quem pensa demais não pula na piscina. Mesmo naqueles dias de calor insuportável, desses que a gente arranca as roupas as pressas quando chega em casa achando que aquela sensação de inferno vai passar.