Muita gente talvez nunca tenha ouvido falar, mas o filósofo polonês
Bauman escreveu e desenvolveu uma teoria sobre a modernidade líquida, onde nada
foi feito para durar muito. E isso não se aplica exclusivamente para bens
materiais e de consumo, ele se referia mesmo às relações humanas. O líquido tem
a ver com fluidez. Nada é feito pra durar e tudo é facilmente adaptável.
Dentro de todas as teorias desenvolvidas por Bauman, acabou surgindo o
termo responsabilidade afetiva. Uma coisa que sempre existiu, e com os amores
líquidos foi ficando pra trás. A pós-modernidade surgiu assim: as relações são
rápidas, quase superficiais, ninguém se conhece ou se entende direito, e ai de
quem não passar livre de se apegar a alguém no meio disso tudo. Todo mundo
parece que só se preocupa com si, mas no fim das contas ninguém tem respeito e
responsabilidade. Nem com os outros e nem com si mesmo.
Duas pessoas se encontram. Começam a conversar e se conhecer. Envolvem-se
romanticamente. Dividem momentos. Trocam mensagens. Intensificam sentimentos. Ficam ligadas entre si. Mas chega um momento
que uma delas para tudo e fala “ah, pera, isso tá indo para um caminho que eu
não quero e não to preparado”. Até aí tudo bem. O problema mesmo é: desde
quando a pessoa que quer desacelerar sabe que não está preparada? Ela sempre
soube? Ela desenvolveu, criou laços e se relacionou com outra pessoa sabendo o
tempo todo que não queria levar aquilo tão adiante assim? Porque se ela sempre
soube, e não deixou claro desde o início, isso é um belo e prático exemplo de irresponsabilidade
afetiva.
Todo mundo tem seus medos, problemas, sensibilidades e fragilidades.
Todo mundo tem sua confusão mental. Não tem problema você não estar pronto pra
se envolver. Não tem problema você não saber o que realmente quer. O problema é
você não deixar claro seus objetivos e intenções com a pessoa que você está se
envolvendo. Tudo que você faz, fala, cria e vive com essa pessoa também envolve
ela, também diz respeito ao que ela sente e pensa. E às vezes essa outra pessoa
não tem nem a chance de sair disso, porque pra ela estava tudo bem.
As relações são complicadas, principalmente, porque o ser humano complica.
As pessoas não tem a responsabilidade de arcar com suas vontades e atitudes, e
não tem coragem de falar e dizer a verdade. Independente dessa verdade ser boa
ou ruim. Ninguém lê mentes, muito menos fica o tempo todo analisando e
esperando sinais. Se você quer se afastar, a pessoa não vai adivinhar isso. Se
você quer chamar a pessoa pra sair, e não falar isso, ela também nunca vai
saber. É importante levar as suas vontades a sério. Nem sempre o que você quer,
é o que a pessoa vai ter pra te oferecer. E tudo bem. O importante é a pessoa
deixar claro o que ela pode ou não oferecer. E mais importante ainda é você
decidir se pode ficar ali.
Quando você não é sincero com si, e com o outro, acaba prejudicando os
dois. Quando você entra em uma relação sabendo que não é aquilo que quer, mas
mesmo assim continua, insiste, desenvolve, isso deixa de ser só sobre você, e
passa a ser dos dois. Quando você faz alguém acreditar que tá tudo bem, você
aos poucos vai quebrando as barreiras e as inseguranças daquela pessoa. E
depois, quando quiser acabar, não é só ir embora. Tem alguém ali. Tem alguém
ali que se envolveu e provavelmente vai construir muros ainda maiores em volta
de si, porque achava que era seguro abaixar a guarda.
Assim se constroem as relações hoje em dia. Pessoas se conhecem o
tempo todo. Pessoas que são sinceras, pessoas que não são. Pessoas que tem medo
de se envolver com outras e criaram barreiras enormes porque sofreram em
relações que o outro não teve um pingo de responsabilidade afetiva. Pessoas que
tem medo de colocar seus sentimentos na mesa porque em algum momento viram eles
serem quebrados bem diante dos seus olhos. Pessoas que perdem de conhecer
outras verdadeiramente porque tem medo de se machucar de novo. Pessoas que tem
insegurança sobre si. Pessoas que nem sempre estão dispostas a se levar a sério
e levar o outro a sério. Pessoas que não sabem o que querem, e mesmo assim
insistem em fingir que tá tudo bem até onde isso é confortável para o ego dela,
porque isso vai doer no outro.
A irresponsabilidade afetiva acontece o tempo todo e muito mais do que
a gente imagina. Ela, inclusive, acontece com nós mesmos. Porque às vezes nem a
gente se entende e respeita os nossos sentimentos. Então seja sincero. Com
você, com seus sentimentos, e com as pessoas que você se relaciona –
romanticamente ou não. Tá tudo bem se apaixonar. Tá tudo bem ser sincero. Tá
tudo bem deixar claro o que você quer ou não. Tá tudo bem falar a verdade, por
mais que ela possa machucar. Só que não tá tudo bem agir de má fé com o
sentimento dos outros. Não tá tudo bem fingir uma coisa que não é. Não tá tudo bem
seguir com uma coisa só pra se distrair. As pessoas não são distrações. As
pessoas são pessoas!
Não existe nada mais confortável do que colocar sua cabeça no
travesseiro pra dormir com a consciência de que você foi sincero e fez o que
pôde, tanto pelos seus sentimentos quanto pelos sentimentos do outro.